domingo, 15 de abril de 2007

A Escola Catequética de Alexandria: Clemente e Orígenes


Esta é a apresentação de Clemente de Alexandria, defensor do conhecimento autêntico e que escreveu contra os que dizem ser fé e razão irreconciliáveis. Este texto impressionante é de Giovanni Reale, em tradução fiável da Paulus. Aqui o historiador menciona o eixo em torno do qual se articula a teologia de Clemente. Apenas gostaria de destacar: ele não pode ser completamente isento da categoria de gnóstico, mesmo na definição de Voegelin. Mas, como se notará, sua polêmica foi admirável.


Os comentários entre colchetes são meus.


 


Por volta de 180, em Alexandria, um estóico que se converteu ao Cristianismo, Panteno, fundou uma escola catequética, que estava destinada a encontrar seu máximo esplendor com Clemente e Orígenes.


Clemente nasceu em torno de 150 (em Atenas ou Alexandria). Seu encontro com Panteno foi decisivo: tornou-se seu aluno, colaborador e, por fim, sucessor. Dele nos ficaram o Protréoptico aos Gregos, o Pedagogo, os Estrômatas, uma Homilia e diversos fragmentos.


Um dos maiores estudiosos modernos da Patrologia, Quasten, assim caracteriza o nosso autor: “A obra de Clemente de Alexandria marca toda uma época. Não seria exagero louvar nele o fundador da teologia especulativa. Clemente foi o iniciador arguto e feliz de uma escola que se propunha a defender e aprofundar a Fé com o auxílio da Filosofia.” Clemente não se limita a combater a falsa gnose [o próprio Santo Irineu afirma que o nome ‘gnose’ é uma usurpação feita pelos hereges, um slogan falso], nem se detém numa atitude puramente negativa. Com efeito, ele opõe à falsa gnose uma gnose autenticamente cristã, propondo-se a dispor a serviço da Fé o tesouro encerrado nos diversos sistemas filosóficos. Os partidários da gnose herética ensinavam a impossibilidade de uma conciliação entre ciência e fé, nas quais viam dois elementos contraditórios [Kant diz a mesma coisa. Quantas vezes você já ouviu que ‘Fé é como futebol, não se discute’?].


Clemente, porém, procura demonstrar a sua harmonia. É a concordância da Fé (pistis) com o conhecimento (gnosis) que faz o perfeito cristão e o verdadeiro gnóstico. A Fé é o princípio e o fundamento da Filosofia. Esta, por seu turno, é da máxima importância para o cristão desejoso de aprofundar o conteúdo de sua Fé por meio da razão. Acrescida á Fé, a Filosofia não torna a verdade mais forte, em si mesma, mas torna impotentes os ataques dos inimigos da verdade, constituindo portanto um válido baluarte de defesa. Contudo, para Clemente, a fé permanece como critério da ciência. E a ciência constitui um auxílio de caráter como que ancilar para a fé.


O conceito que constitui o eixo básico das reflexões de Clemente é o conceito de Logos, entendido em triplo sentido:


 


A) princípio criador do mundo;


B) princípio de toda forma de sabedoria, que inspirou os profetas e os filósofos; [Clemente não identifica gnose com sabedoria. Claramente, diz que a gnose é uma espécie dela]


C) o princípio de salvação (Logos encarnado).


 


O Logos é verdadeiramente o princípio e fim, o alfa e o ômega, aquilo de que tudo provém, e para onde tudo retorna; o Logos é Mestre (Pedagogos) e Salvador. É no Logos que a ‘justa medida’, que era a marca da antiga sabedoria e da virtude grega, se integra no ensinamento de Cristo, como mostra exemplarmente esta passagem do Pedagogo:




“Graças á familiaridade com a virtude, só pelo Logos somos feitos semelhantes a Deus. Mas trabalha sem perder a coragem. Serás como não esperas nem como poderias imaginar. E, assim como uma é a educação dos filósofos, outra a dos oradores, outra a dos lutadores, também há uma livre disposição da alma harmonizada com uma livre vontade amante do bem, que deriva da pedagogia de Cristo [mestre, magister em latim, também significa professor; e discípulo, discipulus, significa aluno]. Até as ações materiais, se bem educadas, tornam-se santas, como o caminhar, o repouso, o alimento, o sono, o leito, a comida e toda a educação. Por fim, a formação do Logos não está voltada para o excesso, mas para dar uma justa medida. Por isso, portanto, o Logos também é chamado Salvador, no sentido que revelou aos homens estes remédios racionais, para que sintam retamente [C.S. Lewis expõe esta harmonia entre o sentimento e o fato de maneira brilhante] e tenham a salvação, esperando o momento oportuno, censurando o vício, extirpando as causas das paixões e cortando as raízes dos desejos contrários á razão, indicando as coisas de que precisa se abster e propondo aos doentes todos os antídotos da salvação. Essa é a maior e mais régia obra de Deus: salvar a humanidade.”


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