quinta-feira, 19 de abril de 2007

Deveres para com os mortos

Santo Agostinho

Comentário para o dia de Finados
Deveres prestados ao corpo morto

Os cuidados relativos ao enterro, a escolha da sepultura, a pompa dos funerais, são antes um consolo para os vivos que um proveito para os mortos. Contudo não devemos desprezar os corpos dos que morreram, sobretudo os dos justos e fiéis, dos quais as almas se serviram santamente como instrumentos na práticas de todas as boas obras.
Se uma veste ou anel de um pai, e outros objetos do mesmo gênero, são tão mais caros aos descendentes quanto maior sua afeição para com os pais, de modo algum podemos menosprezar seus corpos, pois os corpos nos estão mais íntima e estreitamente unidos que qualquer vestimenta. Eles não fazem parte dos ornamentos ou dos instrumentos que nos são trazidos de fora, mas da própria natureza do homem. Assim, sabemos com que piedosa solicitude eram realizados outrora os funerais dos justos, a celebração das exéquias, a preparação dos túmulos; eles próprios muitas vezes, durante a sua vida, haviam ordenado a seus filhos que sepultassem ou transferissem seus corpos.
Um amor que se recorda e que reza, testemunhado aos mortos por aqueles que lhe são caros, é sem dúvida de grande proveito para os que, durante sua vida corpórea, mereceram que tais coisas lhes fossem úteis após esta vida. Mas, se por motivo de força maior, não houver possibilidade de sepultar os corpos ou de enterrá-los em lugar sagrado, não se deve por isso esquecer as súplicas em favor das almas dos mortos. Por todos aqueles que morreram na comunhão cristã e católica, a Santa Igreja se encarrega de fazer essas orações, mesmo sem mencionar o nome de cada um, numa comemoração geral, a fim de que, como terna mãe de todos nós, preste esse socorro aos que não tenham pais, filhos, parentes ou amigos. Mas, se omitirmos estas súplicas, de uma fé e de uma piedade esclarecidas, creio que nada adiantaria às almas terem seus corpos sepultados em lugares sagrados.
Sendo assim, não imaginemos poder atingir os mortos de que cuidamos senão pelo santo sacrifício do altar, pelas orações e esmolas. Se bem que não aproveitem a todos pelos quais os fazemos, mas somente àqueles que em vida mereceram que isso lhes fosse proveitoso. Todavia, como não podemos saber quais sejam, é preciso que façamos tais coisas por todos os batizados, a fim de que não seja esquecido nenhum daqueles a quem tais benefícios possam atingir. É melhor que sejam supérfluos para aqueles aos quais não podem aproveitar nem prejudicar, que virem a faltar àqueles que podem beneficiar-se deles. Realizamos estas coisas com mais solicitude pelos parentes, a fim de obtermos que também se realizem em nosso favor.
Porém, tudo o que se realiza para o sepultamento do corpo não constitui uma ajuda para a salvação, mas apenas um dever de humanidade, decorrente do amor que nos proíbe odiar a própria carne. Assim, devemos cuidar, quanto pudermos, do corpo do nosso próximo, quando partiu aquele que o ocupava. E, se até aqueles que não crêem na ressurreição agem desse modo, muito mais devemos fazê-lo os que cremos, para que esses deveres prestados ao corpo morto, mas chamado a ressuscitar e a viver eternamente, sejam como um testemunho da mesma fé.

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