Fonte
De São Cirilo de Jerusalém
Católica ou universal chama-se a Igreja, porque se espalhou de um extremo a outro de todo o orbe da terra. Porque ensina universalmente e sem falha todos os artigos da fé que os homens precisam conhecer, seja sobre as coisas visíveis ou as invisíveis, seja as celestes ou as terrestres. Porque reúne no verdadeiro culto o gênero humano inteiro, autoridades ou súditos, doutos ou ignorantes. Enfim, porque cura e sana em todo o universo qualquer espécie de pecados cometidos pela alma e pelo corpo. Porque ela possui tudo, toda virtude, seja qual for o nome que se lhe dê, nas ações e nas palavras, bem como toda a variedade dos dons espirituais[1].
Igreja, isto é, convocação: nome bem apropriado porque convoca a todos e os reúne[2], como o Senhor diz no Levítico: Convoca toda a congregação (= Igreja) diante da porta do tabernáculo do testemunho. É de notar a palavra convocar, usada aqui pela primeira vez nas Escrituras, na ocasião em que o Senhor estabeleceu Aarão como sumo sacerdote. No Deuteronômio Deus diz a Moisés: convoca para junto de mim o povo para que me escutem e aprendam a temer-me. Há outra menção da Eclésia (= convocação), quando se fala das tábuas da Lei: Nelas estavam escritas todas as palavras que o Senhor vos falou no monte, do meio do fogo, no dia da Eclésia, isto é, convocação; como se dissesse mais claramente: No dia em que, chamados pelo Senhor, vos congregastes. O Salmista também diz: eu te confessarei, Senhor, na grande Eclésia, no meio do povo numeroso te louvarei.
Já antes o salmista cantara: Na Eclésia, bendizei o Senhor Deus, das fontes de Israel. O Salvador edificou com os gentios a segunda, a nossa Santa Igreja dos cristãos, da qual dissera a Pedro: E sobre esta pedra edificarei e minha Igreja e as portas do inferno não prevalecerão contra ela.
Rejeitada a primeira, a da Judéia, de ora em diante multiplicam-se as Igrejas de Cristo[3], aquelas de que se fala nos salmos: Cantai ao Senhor um cântico novo, seu louvor na Eclésia dos santos. De acordo com isto diz o Profeta aos judeus: Meu afeto não está em vós, diz o Senhor, e acrescenta logo: Por isso, do nascer do sol até o ocaso, meu nome é glorificado entre os povos. Desta mesma santa e católica Igreja escreve Paulo a Timóteo: Para que saibas como comportar-te na casa de Deus, a Igreja do Deus vivo, coluna e sustentáculo da verdade.
Igreja “católica” é o nome próprio desta santa Mãe de todos nós. É também a Esposa de nosso Senhor Jesus Cristo, o unigênito Filho de Deus. Com efeito, está escrito: Assim como Cristo amou a Igreja e a si mesmo se entregou por ela, e o que segue. Ela também manifesta em si a figura e a imitação da Jerusalém do alto, que é livre e mãe de todos nós. Sendo antes estéril é agora mãe de numerosa prole[4].
Repudiada a primeira, na segunda, isto é, na Igreja católica, Deus, no dizer de Paulo, estabeleceu em primeiro lugar os apóstolos, em segundo os profetas, em terceiro os doutores, depois o poder dos milagres, os dons de curar, de assistir, de governar, as diversidades das línguas, e toda outra virtude, quero dizer, a sabedoria e a inteligência, a temperança a justiça, a misericórdia e a bondade, a insuperável paciência nas perseguições.
Instruídos com os preceitos e modo de viver nesta Santa Igreja católica, possuiremos o reino dos céus e receberemos por herança a vida eterna. Por este motivo, agüentamos absolutamente tudo para a alcançarmos de Deus. Nossa meta proposta não é nada insignificante: a posse da vida eterna, esta é a nossa luta.
Portanto, a vida em sua realidade e verdade é o Pai, que pelo Filho no Espírito Santo, derrama qual fonte os dons celestes sobre nós, e por sua benignidade também a nos homens, nos foram firmemente prometidos os bens da vida eterna
[1] É importante compreender que “católica” não é um substantivo. Não é o nome da Igreja de Cristo: Igreja Católica. “Católica” é um adjetivo, uma qualificação essencial da Igreja do Senhor: Igreja católica – com “c” minúsculo. A palavra “católica” deriva da expressão grega “kat’olou”, que significa literalmente “segundo a totalidade”. São Cirilo explica que totalidade (= catolicidade) é essa da Igreja: totalidade porque é chamada a difundir-se por toda a terra, totalidade porque conserva a totalidade da doutrina verdadeira, totalidade porque é aberta a todas as pessoas de quaisquer condições, totalidade porque é enviada a perdoar todos os pecados, totalidade porque é rica dos dons e carismas com os quais o Senhor a enriquece.
[2] A palavra “Igreja” deriva do grego “ekklesía”, que significa convocação, reunião, assembléia dos convocados. No Antigo Testamento, esta assembléia era o povo de Israel, reunido para escutar a Palavra do Senhor e dizer-lhe “amém”. No Novo Testamento, o novo povo é a Igreja, nascida da convocação feita por Jesus na sua pregação, na sua páscoa e no dom do Espírito Santo.
[3] “Igrejas”, no plural, significa sempre o que hoje chamamos “dioceses”: uma comunidade cristã reunida em torno de um bispo legítimo e seus cooperadores, os padres, para escutar a Palavra de Deus e celebra a Eucaristia. Sempre foi muito claro na consciência dos primeiros cristãos que a Igreja de Cristo é indivisível, é una e única.
[4] É importante recordar que Jerusalém, Sião, o povo de Israel, o templo, a Esposa do Cântico dos Cânticos são realidades do Antigo Testamento nas quais os Padres da Igreja sempre viram imagens da Igreja.
Notas do Padre Henrique Soares da Costa
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