quinta-feira, 1 de novembro de 2007

A verdadeira Igreja na autêntica Tradição

De Tertuliano


Cristo Jesus, nosso Senhor, durante a sua vida terrena, ensinou quem era ele, quem tinha sido desde sempre, qual era a vontade do Pai que vinha cumprir e qual devia ser o comportamento do homem. Ensinava estas coisas ora em público, diante de todo o povo, ora em particular, aos seus discípulos. Dentre estes escolheu Doze para estarem a seu lado, e que destinou para serem os principais mestres das nações[1].


Quando, depois da sua ressurreição, estava prestes a voltar para o Pai, ordenou aos onze que fossem ensinar a todos os povos, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Imediatamente os apóstolos chamaram por sorteio a Matias como duodécimo para ocupar o lugar de Judas... Depois de receberem a força do Espírito Santo com o dom de falar e de realizar milagres, começaram a dar testemunho da fé em Jesus Cristo na Judéia, onde fundaram Igrejas[2]; partiram em seguida por todo o mundo, proclamando a mesma doutrina e a mesma fé entre os povos. Em cada cidade por onde passaram fundaram Igrejas, nas quais outras Igrejas que se fundaram e continuam a ser fundadas foram buscar mudas de fé e sementes de doutrina. Por esta razão, são também consideradas apostólicas, porque descendem das Igrejas dos apóstolos[3].


Toda família deve ser necessariamente considerada segundo sua origem. Por isso, apesar de serem tão numerosas e tão importantes, estas Igrejas não foram senão uma só Igreja: a primeira, que foi fundada pelos apóstolos e é a origem de todas as outras. Assim, todas elas são primeiras e apostólicas, porque todas formam uma só. A comunhão na paz, a mesma linguagem da fraternidade e os laços de hospitalidade manifestam a sua unidade. Estes direitos só têm uma razão de ser: a unidade da mesma tradição sacramental[4].


Se quisermos saber o conteúdo da pregação dos apóstolos e, portanto, Jesus Cristo lhes revelou, é preciso recorrer a estas mesmas Igrejas fundadas pelos próprios apóstolos e às quais pregaram de viva voz, quer por seus escritos[5].


O Senhor realmente havia dito em certa ocasião: Tenho ainda muitas coisas a dizer-vos, mas não sois capazes de as compreender agora; e acrescentou: quando,porém, vier o Espírito da Verdade, ele vos conduzirá à plena verdade (Jo 16,12s). Com estas palavras revelou aos apóstolos que nada ficariam ignorando, porque prometeu-lhes o Espírito da Verdade que os levaria ao conhecimento da plena verdade. E, sem dúvida alguma, esta promessa foi cumprida, como provam os Atos dos Apóstolos ao narrarem a descida do Espírito Santo[6].

[1] Aqui Tertuliano radica a Tradição apostólica. Notem como o Evangelho de Cristo nunca foi visto na Igreja simplesmente como um texto escrito, mas sim, como um anúncio salvífico confiado por Cristo à Igreja e, especialmente, aos Doze. Este anúncio tem como conteúdo o próprio Cristo morto e ressuscitado por nós.

[2] “Igrejas” no plural é aquilo que hoje chamamos de “dioceses”.

[3] Notem como já desde o início do cristianismo, é de importância capital a fidelidade à continuidade que vem de Cristo por meio dos Doze e seus sucessores, que fundaram as Igrejas. É preciso dizer com toda franqueza: uma concepção de Igreja como a dos protestantes rompe completamente com o sentido de Igreja existente no Novo Testamento e na antiguidade cristã.

[4] Aqui aparece a importância da unidade da Igreja. Cristo fundou uma só Igreja e esta deve ser una e sacramento de unidade do gênero humano: una na fé, na disciplina sacramental, na caridade fraterna; una na Eucaristia e na unidade com os mesmos pastores, que têm como referência última neste mundo o Bispo de Roma.

[5] Outro dado importantíssimo: a fé da Igreja não pode nunca derivar de uma interpretação somente da Bíblia e, muito menos, de uma interpretação privada de algum iluminado excêntrico! A pregação funda-se na Tradição, seja na sua forma escrita (Bíblia), seja na sua forma oral (o complexo da vida de Igreja). Quem garante esta Tradição é o Espírito Santo, como está dito mais abaixo e quem a discerne com autoridade dada por Cristo são os Bispos em comunhão com o Bispo de Roma.

[6] Outra idéia preciosa: a fé da Igreja não é uma realidade enferrujada, fossilizada, como peça de museu. Ela evoluirá sempre, fiel às suas origens e sempre mais aprofundando o mistério de Cristo e suas conseqüências, nos confronto criativo com as novas realidades. Quem garante este processo, para que a evolução não se torne traição? O Espírito da Verdade Cristo prometeu e deu à sua Igreja. Que órgão é responsável para discernir tudo isso? O Magistério – Bispos em comunhão com o Papa - com a autoridade dada por Cristo. Como é belo ver neste texto do século III a consciência da nossa fé tão clara! Que pena que tantos, com a Escritura debaixo do braço estejam tão longe dessa percepção do que seja a Igreja autêntica!

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